Imagem de Julie de Waroquier
Literatura & Imagem | Poesia & Ilustração | Jéssica Brito & Gabriela Fonseca
A poesia de
Jéssica Brito e
Ilustração de
Gabriela Fonseca
Todos os sonhos do mundo
Todos os sonhos do mundo
Debaixo de todas as mesas
Por dentro do pano
Orbitando o corpo
Enquanto sonos dormem dentro da consciência
Todos os sonhos do mundo
Presos no véu da noite
Por entre os faróis noturnos
Nos olhos taciturnos
Luz acessa
Todos os sonhos do mundo
Nas tranças das moças
Nas tramas da roupa
Transpirando pela pele
pela ponta do pelo, no cerne de todas as coisas
De que serve essa vinda ?
Se não pra ser linda? (Ainda que não)
Se não para transitarmos pelas fendas
Sonha comigo, sonha
Todos os sonhos escondidos nas teias da aranha
As forças estranhas
Mistérios do planeta
Todos os sonhos do mundo
Aqueles varridos das estradas
das entranhas, da barriga das estrelas.
Vê se não se vende
E nem se falsifica
Se quiser
Fica
Que vale a pena estar
Dentro
De si.
***
Tudo, tudo, tudo.
No teu corpo, a carne, o músculo, o cabelo, osso.
No teu rosto, o resto das estrelas cadenciadas
Sendas discretas, paisagens abertas, passagens secretas.
Há templos que não se pode diferenciar
Ruínas de igrejas sagradas.
No teu corpo, Vênus e Saturno
O teu peito, o poço fundo, onde cai o mundo todo, todo.
***
Partícula navegante
Toda arte estava sentada em um banco de um lugar qualquer vazio
Toda arte existente foi trazida da luz que cega por um instante
Ou do escuro distante, para que tomasse forma.
Não pode ser o algo ou alguma coisa
Ela respira!
E todo artista transporta-se a esta viagem infinda
No fim ou no meio do caminho, o inesperado, o belo, o cúmulo, acontece.
E isso é quase impossível de guardar
É tão vivo que como quem vive
Precisa correr livre, reordenar os átomos em algum lugar.
***
Dona de mim
Eu mulher
Andarei na rua
Lugar qualquer onde eu queira
De calça, de saia, nua
Apesar das nuances de uma cultura grotesca
Meus seios
Minhas curvas
Meus pelos, minha beleza
Se meiga
Se puta
Se santa
A quem isso deveria interessar? (A quem interessa?)
Não existe placa que me indique propriedade
Tenho vida e a sou viva
Não, não, importa o que pareça.
Não esconderei a pele
Gordura, marca, fissura
Apesar da violência dos julgamentos tolos
Esqueça a ideia sobre o que é ser menina
Sou mulher
Sou livre
Sou minha
Se você não vê, não vê o amor.
VERSINHOS
O som que tange os poros da pele
A luz que migra para a borda da retina
A poesia que invade a sala e toca o corpo intacto- ainda.
Amar não é nada se não tudo, se não todo.
*
Somos por que fomos
Somos o que somos
E seremos o que será,
Mesmo quando formos.
Partir também é chegar
*
Seus olhos são um vício
Faíscam, fumaça, alto grau de toxicidade
Não! Não os ascenda agora.
Meu coração é inflamável.
Sigo em desalinho
Deslizo na linha do destino
De desalinho em desalinho, faço meu caminho
***.
Desconhecido
Corri fugido
E ao me deparar com o espelho do rio
Esperei-o me contar que eu era Narciso
Mas nada disso
Corri fugido
Esperei para ver a porta abrir
Ansiei entrar no País das Maravilhas
Nada vi
Joguei para o alto a moeda
Quis ser sortudo
Mas não enxerguei nem cara, nem coroa
Corri fugido
Entrei no oráculo
Esperei-o me contar que eu era Sócrates, o mais sábio
Nada disse
Corri fugido
Rezei uma reza desesperada
Esperei Deus me dizer que era um pecador perdoado
Mas não que eu tenha ouvido
Corri fugido
E no deserto percebi a ausência de mim mesmo
Quis ver no espelho outro homem
Quis estar onde não estava
Queria ter a sorte que não tenho
Queria saber o que não sei
Quis perdão sem saber o que é pecado
Não sou quem acho que sou
E se quem sou for invenção?
Ser ou não ser, questão de desbravar a solidão.
***
O poeta e o matemático
O matemático encontra a chave do enigma, os algarismos perpétuos
E o poeta perde a conta
O matemático desvenda o sistema, fórmula, sequência
O poeta vezes rima vezes rema, buscando as fôrmas de seus poemas e encontra ás vezes nos vãos
O matemático contenta-se com a solução
E o poeta procura a beleza do problema (inquieto)
Cartesianos
Planos
Incógnitas
Panos
Raiz
Quadrado colorido
Soma
Sonhos.
Jéssica Brito
Escreve para perceber que o tempo não existe, para ver alguma coisa enquanto não se descobre todo o resto, porque a arte respira, porque a poesia transborda e não é nada se não tudo.
É paulista, compositora, estudante de pedagogia, olhos curiosos.
Publica versos em: https://m.facebook.com/versosvivosjebrito/
Gabriela Fonseca
Artista para desvendar, arte para (re)existir, espalha poesias pelas ruas cinzas de São Paulo.
Acompanha-se no instagram: @_hiperbolei