Imagem & Literatura | Fotografia & Poesia | Laura Makabresku & Herberto Helder
LAURA MAKABRESKU &
HERBERTO HELDER
Sobre o que é delicado e também definitivo: lugares escuros iluminados por pequenas faixas de poesia. A trilha poética de Herberto Helder no texto e de Laura Makabresku na imagem - cada um em sua própria galáxia - misturados, paralelos, tocando-se como imagens que respiram, conversam, trocando segredos difíceis de mesurar: e nossos corpos cúmplices de todas as estrelas - afirmativos e silenciosos.
Tu és a mulher profundamente visitada. Dedo contra dedo. Para que passe o pneuma: poder, inocência, morte. Os sítios nunca param: fileiras de objectos astrais uns acima dos outros. Queria chamar a água intensa para cercar-te com uma faixa, que te fizesses a ti mesma por essa intensidade da água.
Pratiquei a minha arte de roseira: a fria inclinação das rosas contra os dedos iluminada embaixo as palavras. Abri-as até dentro onde era negro o coração nas cápsulas. Das rosas fundas, da fundura nas palavras. Transfigurei-as. Na oficina fechada talhei a chaga meridiana do que ficou aberto. Escrevi a imagem que era a cicatriz de outra imagem. A mão experimental transformava-se ao serviço escrito das vozes. O sangue rodeava o segredo. E na sessão das rosas dedo a dedo, isto: a fresta da carne, a morte pela boca. - Uma frase, uma ferida, uma vida selada.
Não toques nos objectos imediatos. A harmonia queima. Por mais leve que seja um bule ou uma chávena, são loucos todos os objectos. Uma jarra com um crisântemo transparente tem um tremor oculto. É terrível no escuro. Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer. A boca fica em chaga.
Estremece-se às vezes desde o chão, por se ter uma navalha no bolso: por o sexo ser sumptuoso: por causa dos buracos luminosos na camisa, tem-se medo do poder, da nudez, a finura da carne: uma unhada no coração: o modo de fazer rodar o quarto: o barulho que se ouve nos canos onde a água vive - tudo sob a ameaça de uma riqueza brusca em nós.
O nome a encher uma pessoa como a luz enche o vento, ou a ferida enche a lembrança.
Tocaram-me na cabeça com um dedo terrificamente
doce. Sopraram-me,
Eu era límpido pela boca dentro: límpido
engolfamento,
O sorvo do coração a cara
devorada,
O sangue nos lençóis tremia ainda:
metia medo,
Se um cometa pudesse ser chamado como um animal:
ou uma braçada de perfume
tão agudo
que entrasse pela carne: se fizesse unânime
na carne
como um clarão,
Um anel vivo num dedo que vai morrer:
tocando ainda
a cabeça o rítmico pavor
do nome,
O leite circulava dentro delas
É assim que as mães se alumiam
e trazem para si o espaço todo
como
se dançassem,
São em si mesmas uma lenta
matéria ordenada, Ou uma
crispação: uma ressaca,
E quando me tocaram na cabeça com um dedo baptismal:
eu já tinha uma ferida
um nome,
E o meu nome mantinha as coisas do mundo
todas
levantadas.
E é cruel surpreender a inocência frenética, a taciturna doçura com que devora: às vezes a força dos rostos que tem contra Deus. Assim: o nervo que entrelaça a carne toda, de estrela a estrela da obra.
Tantos nomes que não há para dizer o silêncio - a combustão interior do tempo; uma maçã cortada, uma pomba de éter: o pensamento.
Porque o amor também recolhe as cascas e o mover dos dedos e a suspensão da boca sobre o gosto confuso. Também o amor se coloca às portas das noites ferozes e procura entender como elas imaginam seu poder estrangeiro.
Quando a veia dos mortos azem um nó furioso com as minhas veias, a voz costura-se com as linhas de sangue da sua fala.
E eu desejaria levantar-me levemente sobre as paisagens que se enchem de chuva apaixonada. Desejaria estar em cima, no meio da alegria, e abrir os dedos tão devagar que ninguém sentisse a melancolia da minha inocência. Tanto desejaria ser destruído por um lento milagre interior.
Vejo que a morte se inspira na carne que a luz martela de leve. Nessas mulheres debruçadas sobre a frescura veemente da ilusão, nelas - envoltas em sua roseira em brasa - vejo os meses que respiram. Os meses fortes e pacientes. Vejo os meses absorvidos pelos meses mais jovens. Vejo meu pensamento morrendo na escarpada treva das mulheres.
Ele viu a fria floresta erguer-se sob o movimento nocturno das massas - e o volume cru do Rosto com tudo ordenado em si - a energia dos pontos fixos - curva de aço - a matéria geral húmida: água - leite desordenado - os meandros - percurso feminino.
Vê tu a árvore: uma camada de flor - um grito, outra camada de flor - outro grito.
Nenhuma estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum astro é tão feroz agarrando toda a cama. Os poros do teu vestido. As palavras que escrevo correndo entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso, arterial.