Artigo | Cinema | Gabriely Santos
O orgulho negro e o adeus aos clichês
Gabriely Santos
Saí do cinema com a certeza de que vivenciei algo importante para minha trajetória, não apenas como cinéfila, mas como humana. Foi como respirar um ar novo. Pantera Negra é muito mais do que um filme de heróis, é um filme de orgulho negro e adeus a muitos clichês vinculados a ele. É impressionante que em cem anos de cinema, esse seja o PRIMEIRO blockbuster em que quase todos os personagens são negros. Os tambores africanos, as cores vibrantes, as mulheres guerreiras de Wakanda.
T’challa, o Pantera Negra, vai assumir o reino de Wakanda com a morte de seu pai. Todos os rituais, danças e figurinos foram inspirados em tribos africanas, o que deixou essa parte da história, também, muito inédita e bonita.
O filme Pantera Negra tem o nome de seu personagem inspirado nos quadrinhos referente ao movimento dos negros na década de sessenta. Mas no filme, quem realmente representa os panteras negras originais talvez seja o vilão, Erik Killmonger, porque grande parte da consciência social se passa nas palavras dele:
- “Prefiro morrer a ser preso, como fizeram meus ancestrais dos navios que preferiram morrer no mar a viver como escravos.” Logo, os dois personagens travam uma batalha que, a nível subjetivo, seria entre exclusão e pertencimento."
Num mundo onde a representatividade está sendo tão debatida e procurada, enquanto T’challa quer proteger a sua tribo e um dos metais mais poderosos do mundo que se encontra nela, o Vibranium, Killmonger quer usar dessa tecnologia para ajudar todos os oprimidos do mundo, transcendendo a noção de tribo. Logo, é preciso que se encontre o caminho do meio. Os habitantes de Wakanda não podem mais se omitir.
Dia desses assisti 13th, um filme sobre a emenda americana que proíbe a escravidão, exceto para os criminosos, sendo que grande parte dos presos lá são afrodescendentes condenados que, uma vez na cadeia, vivem em regime de trabalho forçado. Isso sem falar de todos os níveis de racismo que ainda existem no mundo inteiro, velados e verticais, explícitos nas escalas de poder onde os negros (assim como as mulheres), geralmente, não estão, e reforçados até pelo valor do salário que recebem.
No Brasil, as coisas acontecem de forma mais velada, mas é inegável que acontecem. Aqui os negros vivem quase todos na periferia e, muitas vezes, sem grandes perspectivas de vida.
Claro que existiram outros filmes muito bem protagonizados por negros, como Stranger Days, que muito antes de Black Mirror mostrou um equipamento que gravava sensações e as retransmitia e se tornou um filme policial de ficção científica muito inteligente. Outros exemplos são Mooladée, filme sobre uma tribo africana onde uma mulher se recusa a cortar o clitóris da filha, A cor púrpura, clássico do Spielberg, Um sonho de liberdade, Quem quer ser um milionário e vários outros (que, em cem anos de cinema, talvez sejam, poucos, é verdade). Mas que Pantera Negra está numa posição privilegiada nesse contexto, o tempo e as bilheterias já confirmam.
Gabriely Santos